O Milagre de Fátima
Sentei-me em frente do meu martirizado laptop para debitar meia dúzia de bitaites sobre a inenarrável Fátima Felgueiras. Mas definitivamente não. E não por todas as razões e mais uma: porque não há pachorra, porque é demasiadamente óbvio, demasiadamente deprimente, e porque não é suposto transformar esta cegada no muro das lamentações. Ah, e falta a mais uma: porque a pobre, como se já não lhe bastasse o exílio, ainda se descaracterizou no pouco que tinha de tragicamente genuíno: aquele tatcheriano penteado, que navegava mansamente entre o retro-cool anos 80 e o repulsivo puro e simples, e que agora se viu substituído por um pseudo-modernaço corte que nos cortou a natural hilariedade a cada avistação da senhora. Mas adiante…
E assim, e porque me apetece, escrevo sobre (Alison) Goldfrapp. Felt Mountain foi muito mais Felt que Mountain, e quem na altura esperava nele encontrar o trip-hop diagnosticado pelos media, a quem a ausência de rótulos ocos provoca graves lesões cerebrais, foi certamente surpreendido pela orgânica sintetizada de um dos melhores discos dos anos 90, construído sobre uma voz em estado de graça permanente habitando a sua morada perfeita numa arquitectura de sintetizadores e violinos eléctricos. Parecia único e irrepetível. E foi. Black Cherry foi uma amálgama de pop e electro-clash vestido de lantejoulas, soquetes e anos 80. Os Goldfrapp tinham mudado. Para diferente, sim, mas também para um pouco menos sublimes, embora a inflexão fosse subtil. Tão subtil que foi facilmente esquecida na voragem da presença, da timidez e da voz de uma Alison que rendeu a si um Coliseu inteiro em Lisboa sem que nada tentasse para o conseguir. Mas bastava estar e ser Goldfrapp. Supernature já não é tanto inflexão como deflexão, e o declínio parece irreversível. Não é mau, simplesmente não é especial.
Ainda assim, mais que valerá a pena estar no Pavilhão Atlântico a assistir à abertura que os indispensáveis Goldfrapp farão para os mais que dispensáveis Coldplay. Vão tão cedo quanto possam, vejam e ouçam Goldfrapp e, depois, saiam para casa ou para outro sítio qualquer, porque nada mais de interessante ali acontecerá nesse dia. Nem por milagre.
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