A Gripe das Aves Raras
O infame perigo espreita em cada esquina, em cada vão de escada, nas praças e nos cafés, nas casas e nas avenidas, nas escolas e nos prostíbulos. Nada nem ninguém está a salvo do alarmismo mediaticamente histérico em torno da gripe das aves. Os arautos das desgraças com data e hora marcada estão em frenesim, e não há neste país galinhola constipada, codorniz com catarro, ganso ranhoso ou pato com pé-de-atleta que não seja imediatamente interpelado por um pressuroso profissional de microfone em riste para uma grasnada entrevista.
Este flagelo, que, a fazer fé nos guinchos estridentes de jornalistas aterrorizados acolitados por governantes alarmados, será potencialmente devastador para grande parte da espécie humana, tem mais de um século de existência e já provocou na Ásia cerca de 70 óbitos. Impressionante, não é? É claro que quem conheça minimamente a Ásia e a sua realidade social e cultural facilmente compreenderá a insignificância ridícula deste número, que prova não só a fraquíssima propagação do vírus, como também a enorme dificuldade na transmissão ave/homem (tendo em conta a quantidade e proximidade do contacto que a generalidade da população asiática tem com aves vivas, dir-se-ia que a gripezita não passaria de uma DST reservada para quem obriga a galinhagem a condutas impróprias). É claro também que basta uma vulgaríssima busca googleana para revelar que o anacrónico bacilo de Koch mata por hora bem mais do que esta gripe de capoeira matou em cem anos de honrado esforço. Mas é mais claro ainda que o pânico vende desmesuradamente, e que as mortes tuberculosas do bacilozito de Koch, no seu encanto empoeirado e demodé de heróis tísicos do romantismo do séc. XIX, não são rival para a gripe alada do séc. XXI, desfiada como contas de um rosário invisível perante a embasbacação atemorizada da mediocridade reinante. Correi para as farmácias. Ou para outro sítio qualquer. And may God have mercy on us all…