7.10.05

Literature Killer

Por me ter sido oferecido por quem merece que toda a atenção e carinho sejam dispensados às suas oferendas, dediquei-me nestes dois últimos dias à leitura do romance “Lisbon Killer”, de Rui Araújo, entalado entre uma proveitosa releitura do wildeano Picture of Dorian Gray e uma adiada introdução ao universo de Machado de Assis.
A sobrecapa da citada obra fazia temer o pior, pela foto a toda a largura e comprimento da mesma do orgulhoso autor, ostentando um ominoso ar de auto-complacência que não augurava nada de bom para o incauto leitor. A badana da dita sobrecapa, no entanto, acalmava pressurosamente as sirenes de alarme, imputando a este o autor vários feitos no domínio da imprensa escrita e televisiva, incluíndo a co-fundação da Grande Reportagem e a honra de ter sido o primeiro jornalista português a entrar em Timor depois da invasão (não esclarecia qual a invasão).
Para mal dos pecados da humanidade em geral, se é verdade que a contracapa anunciava o pior, menos verdade não é que nada podia preparar e anestesiar terreno para algo bem pior do que o pior. A triste e desconsoladora verdade é que o senhor não conseguiria escrever nem que a sua vida dependesse disso, e decidiu que o alibi de alicerçar o seu atentado numa história verídica lhe dava carta branca para escrever(?) um dos exercícios mais desopilantes de comédia involuntária que jamais li. Com um esquematismo narrativo de uma complexidade que faria corar de vergonha o “B-A-BA das Primeiras Letras”, pseudo-referências da actualidade social portuguesa inseridas com subtileza digna de um cachalote imerso em vodka, construção de personagens que chega a ser verdadeiramente embaraçosa de tão primária, diálogos que… não foram inventados adjectivos que façam justiça a semelhantes diálogos, pelo que me limito a transcrever: “Nunca entendi a lógica irresponsável dos merceeiros da edilidade em matéria de circulação automóvel – bradei”. Por estranho que pareça, nem é do pior. A sério. Entretanto, se souberem de alguém que brade (e relembro que bradar significa gritar, embora Rui Araújo não faça a menor ideia) com desenvoltura frases deste calibre ao volante de um carro, denunciem-no, por favor, às autoridades competentes, para que lhe possam encerar a cabeça.
Nada disto seria particularmente relevante (em cerca de 25 anos de leitura contínua e compulsiva já li dezenas de livros medíocres), se não fosse sintomático da forma como se edita qualquer merda e se lhe chama livro. Desde Ruis Araújos a concorrentes do Big Brother, de Margaridas Rebelo Pinto a jogadores de futebol, cuja capacidade de articulação verbal dispensa comentários. A da Margarida, não a dos jogadores.