26.7.06

O Mar Tardio

The Sea, de John Banville
Tomei o primeiro contacto com a escrita de John Banville em 2000, através de um The Book of Evidence oferecido por uma professora do primeiro ano de licenciatura que, na sua altivez inglesa, catalogou o inocente com duas palavras: irlandês chato. E tinha razão, o homem é irlandês. The Book of Evidence era uma obra de aspirações modestas e honradas, publicado pela humilde Minerva, mas de realizações surpreendentemente únicas. Como compêndio de obsessões e de misantropia, escrito com uma arte de domínio da sintaxe inglesa quase comparável à de Henry James, este livrinho foi um verdadeiro achado. Passado algum tempo li algures o traçar de um paralelo entre esta obra e a Lolita de Nabokov, comparação pertinente. Ou talvez me pareça pertinente porque talvez o tenha eu escrito em algum ensaio académico. A confusão entre as inanidades que se lêem e as que se escrevem é certamente um primeiro sintoma da senilidade galopante.
Entretanto anos passaram, o irlandês afirmou-se e foi contratado pela pujante Picador, que editou este The Sea. Neste caso trata-se de uma história de perdas e desamores, do peso insustentável do passado e dos truques manipuladores da memória. Acima de tudo, uma obra de passado, e se a misantropia irónica do outro livro se sumiu, mantém-se uma sensibilidade de análise da alma humana agudíssima e mordaz e, felizmente, o homem continua a escrever maravilhosamente. A não ser nas raras e curtas incursões pelo escorregadio fluxo de consciência, onde não só escorrega como chega mesmo a espalhar-se ao comprido. Ainda assim (é) bom e consta que já há disponível uma tradução para português.
Late Registration, de Kanye West
Animado pelo tempo relativamente bem passado no concerto de Mr. West em Oeiras tomei coragem (e fui encorajado) a ouvir o último disco de originais do personagem, que, apesar de todas as minhas saudáveis desconfianças, se revelou uma surpresa maior ainda que a referida sessão de palco. Agradável. É um disco desequilibrado, que no seu pior é razoavelmente mauzinho e se limita a reproduzir a fórmula vácua e acéfala que o hip-hop mais mainstream repete irritantemente até à exaustão; mas que no seu melhor consegue ambiências soul quentinhas e fundos funk luxuriantes muito aceitáveis.

21.7.06

Fadas do Lar

Reencontrar os Pixies é como reencontrar velhos amigos que há muito não víamos, com a negligenciável diferença de que não os conheço de lado nenhum e posso afirmar com segurança que nunca os tinha visto mais gordos. Literalmente. Até porque se vier a ver o Frank Black e a Kim Deal ainda mais gordos do que agora, eles já terão provavelmente sido catalogados como uma nova espécie de cetáceos. Se há dois anos, no Super Bock Super Rock, o sortilégio da longa ausência ainda permitiu a entrega total de um público que tinha muita conversa em atraso para pôr em dia, começa agora a ser inegável o desconforto que provoca constatarmos que estes nossos amigos continuam, entretanto, a não ter nada de novo para nos dizer. Não que seja intrinsecamente mau reviver anos e sons que são intemporais, mas a persistência neste objectivo único de vencer pela fórmula segura, comprovada e recomprovada, exala um certo odor bafiento que já só em raras ocasiões estimula o suficiente para me fazer levantar o traseiro da confortável cadeirinha de plástico do Atlântico para entrar em verdadeira comunhão musical. A amigos assim agradecemos os bons velhos tempos, consagrando-os em memória auditiva auxiliada por vetustos cds e espevitados iPods, desejamos-lhes sorte, saúde e Herbalife, e deles nos despedimos em demanda de outras experiências… talvez dos She Wants Revenge e dos The Strokes no Lisboa Soundz, já amanhã.

18.7.06

Memórias de uma queixa
















Lisboa, 12 de Julho
Ante-estreia do vencedor da Palma de Ouro deste ano em Cannes, The Wind That Shakes The Barley, de Ken Loach. Longe de impressionar, e com a devida ressalva para Cillian Murphy e para a granulosa fotografia, o filme limita-se a confirmar que boas intenções não equivalem a bom cinema, e que a cartilha politica e socialmente empenhada de Ken Loach não faz dele um cineasta por aí além. Não é propriamente mau, longe disso, mas falta claramente golpe de asa ao formalismo quase académico de Loach, e é difícil compreender o prémio máximo atribuído por um júri presidido por Wong Kar-Wai. Estreia no fim do mês, e à falta de melhor programa de Verão…
Margem Sul, 15 de Julho
Memórias De Uma Gueixa, adaptação de um best-seller qualquer de um qualquer escritor, filme realizado por um dos inúmeros tarefeiros de mão para estas ocasiões e cujos nomes se fundem uns nos outros até ao irreconhecível. Ao contrário do anterior, este é mesmo mau, acentuado por aquele irritante hábito hollywoodesco de pôr os personagens de filmes situados fora de território americano a falar inglês, mas… com sotaque e palavras nativas à mistura para dar cor local. E assim se transforma o que seria apenas inofensivamente medíocre num objecto execrável.
Oeiras, 17 de Julho
Boa abertura do Cool Jazz Fest com a estreia de Kanye West em Portugal. Colocando-se, mais passo menos passo, numa posição equidistante entre a vacuidade pseudo-gangsta de 50 Cent ou de The Game, as lamúrias cabotinas de Eminem, e o puro talento cool (como a Fest) de Pharrell ou de RZA, o senhor West apresentou-se acompanhado por um DJ, um par de vozes de inspiração soul, quatro violinos, dois violoncelos e uma harpa. Profissional e competente, ainda que prejudicado pelo mau som, fez mais que suficiente para justificar a deslocação e animar a maralha. Se é verdade que acabou por não deslumbrar, apesar de fugir a tantos lugares-comuns do género como atafulhar o palco de MCs ou cultivar a pose de cretino enfadado; não é menos verdade que esteve muito longe de se embaraçar ou de dar lugar ao bocejo, mesmo com o oportunismo marca “pregar aos convertidos” na utilização dos beats de Damien Marley ou Gnarls Barkley, entre outros. Mas o homem tem talento e isso chega, não chega?... Nem sempre, mas neste caso foi suficiente. Que tenha longevidade e venha mais vezes.